Academia Equilíbrio

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sexta-feira, 8 de novembro de 2013

Percepção da dor varia de acordo com a cultura, diz especialista


Em entrevista, presidente de simpósio fala sobre caráter subjetivo da dor.
O pesquisador aponta a automedicação como grande problema no Brasil.

Mariana LenharoDo G1, em São Paulo
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O neurocirurgião Claudio Fernandes Corrêa participa de palestra no Simbidor. (Foto: Mauricio Burim/Divulgação)O neurocirurgião Claudio Fernandes Corrêa participa de palestra no Simbidor. (Foto: Mauricio Burim/Divulgação)
Para o neurocirurgião Claudio Fernandes Corrêa, coordenador do Centro de Dor e Neurocirurgia Funcional do Hospital 9 de Julho, viver sentindo dores não é normal. O especialista, que preside o Simpósio Brasileiro e Encontro Internacional sobre Dor (Simbidor), evento que teve início nesta quinta-feira (7) em São Paulo, afirma que é possível reduzir ou até eliminar as dores crônicas com o tratamento adequado.
Em entrevista, ele comentou sobre os principais avanços em tratamentos, sobre os perigos da automedicação e sobre a diferença na percepção da dor entre as diferentes culturas.
O que se tem pesquisado sobre o fator subjetivo da dor? Por que pessoas reagem de maneiras diferentes a um mesmo estímulo doloroso?
Existem pesquisas, mas é uma área muito difícil de se chegar a conclusões porque não há dados concretos. Isso depende muito da cultura e da forma com que a pessoa foi criada. É sabido, por exemplo, que os orientais têm muito mais disciplina na manifestação de um quadro de dor do que os latino-americanos, de maneira geral. Os primeiros não demonstram com tanto “colorido emocional” que estão sofrendo determinada dor. Já os latino-americanos, quando chegam a um ambiente e começam a contar sobre uma dor, todos percebem porque falam alto, reclamam e gesticulam.
Se você propõe uma escala imaginária de 0 a 10 – 0 sendo a ausência de dor e 10 a dor máxima – tem pessoas que com 0,5 já não suportam viver dessa maneira. E tem pessoas que, nessa mesma escala, com nota 6 ou 7 vão trabalhar todo dia e ninguém nem sabe que ela sente dor.
A dor é muito mais comportamental do que qualquer outra coisa porque as diferentes percepções vão trazer significados completamente distintos para a dor de cada um."
Claudio Fernandes Corrêa
É muito mais comportamental do que qualquer outra coisa porque as diferentes percepções vão trazer significados completamente distintos para a dor de cada um. O que acaba com a vida de um, para o outro, ele continua fazendo suas atividades diárias habituais. O médico tem que ter a percepção de tudo isso.
O que há de mais promissor em pesquisas sobre dor?
A maior parte das dores crônicas são as chamadas neuropáticas, decorrentes de lesão do sistema nervoso. A lesão do sistema nervoso, principalmente quando é central, não tem recuperação. O mais empolgante hoje é o desenvolvimento de tratamentos com células-tronco que possam tratar a lesão primária e, aí sim, recuperar o paciente. Com toda a franqueza, mesmo sendo um otimista, eu acho que isso não vai acontecer em menos de 10, 15 ou 20 anos. Porque não é simplesmente pegar uma célula chamada célula pluripotente – capaz de se transformar em outras células – que está resolvido o problema. O grande problema é o fator de manutenção dessas células vivas.
É mais ou menos como se você pegasse uma semente e colocasse em um terreno árido. Pelo conteúdo dela, ela vai germinar e vai crescer um pouco, mas quando acabarem os nutrientes, vai morrer. A grande questão é o fator de crescimento ou a manutenção dessa célula tronco, que foi transplantada e modificada por um neurônio recuperando o tecido lesado. Esse desafio ainda é constante e é o maior convergente dos grandes estudos. Porque, aí sim, você poderia falar em cura dessas dores crônicas chamadas neuropáticas que hoje ainda não apresentam solução.
A questão da automedicação é um problema no tratamento das dores?
A automedicação é um equívoco que acontece em países subdesenvolvidos porque a pessoa não tem tempo, disponibilidade ou dinheiro para buscar um médico. Com a melhor das intenções, ela escuta um parente ou amigo que diz que já teve aquele problema e que tomou determinado remédio.
O problema é que os remédios, quando corretamente administrados, têm benefícios, mas eles também podem ter efeitos colaterais. E quando mal indicado, além de não trazer benefícios, eles podem às vezes encobrir um diagnóstico que, se fosse feito precocemente, poderia ter mais chances de cura.
GNews - Remédios (Foto: GloboNews)A automedicação atrasa o diagnóstico e o tratamento
de doenças, diz Corrêa (Foto: GloboNews)
Vamos pegar um caso de dor de cabeça provocada por um tumor cerebral. Se a pessoa ficar se automedicando por muito tempo, significam meses a mais sem fazer diagnóstico. Se o tumor fosse identificado três meses antes, poderia ter resultado em um excelente de tratamento. Quando a coisa está mais avançada, a possibilidade de resolver o problema é menor.
Os idosos, por exemplo, têm dor pelos processos degenerativos da coluna e das articulações de modo geral. Muitos fazem uso constante de anti-inflamatório. Isso pode comprometer a função renal, levar a um quadro de insuficiência e precipitar seu tempo de vida.

Uma cefaleia, que seria tratada sem grandes dificuldades, pode se transformar em uma cefaleia crônica diária a partir do uso abusivo de analgésico. Essa condição é muito mais complexa de ser tratada e resolvida. Às vezes, é preciso internar o paciente para fazer um desmame do uso abusivo de analgésicos.
A automedicação dificulta o diagnóstico precoce, retarda um tratamento que poderia ser efetivo, além de trazer grandes prejuízos em outros setores do corpo humano.
O que o leigo precisa saber sobre dor?
Eu acho que o leigo precisa entender que não precisa viver sofrendo dores, ele pode ter sua dor reduzida ou eliminada muitas vezes. Eu falo isso principalmente para aqueles que têm a dor do câncer. Muitas vezes – eu já convivi com muitos desses casos – o médico pergunta e eles têm até medo de contar que têm a dor do câncer, com medo de o oncologista esquecer o tratamento do câncer por causa do tratamento da dor.
Pelo contrário, um paciente que tenha uma doença oncológica que já esteja depauperado fisicamente, emocionalmente e ainda sofrendo com dor vai dormir menos, comer menos, assimilar menos o tratamento. Há um tabu muito grande em tudo isso. As dores não podem ser automedicadas e as pessoas devem procurar seu médico de confiança, não precisa ser um especialista em dor.
Sentir dor não é normal nunca. Tem a dor fisiológica que você sente se tiver um trauma jogando futebol, por exemplo. Se não tivesse dor, iria continuar jogando e lesar vasos, músculos e ligamentos. A dor é um alerta fundamental sem a qual o ser humano dificilmente sobreviveria. Agora, em algumas situações, a dor perde o caráter de alerta e passa a ser uma doença. Então é preciso procurar um recurso, não fazer automedicação e receber um tratamento adequado.

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